quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010


Ela acorda, uma voz pouco ou nada familiar chama por ela. Abre os olhos, leva tempo a assimilar e percebe onde está. Uma cama, um armário, uma televisão e uma pequena casa de banho. Nada muito luxuoso, um quarto de hotel em frente á praia. O pequeno-almoço que tanto ansiava permanece intacto e assim permanecerá, é meio-dia de um dia quente de fim de verão e a hora de saída terminara.
No regresso a casa recorda como ali foi parar, como as coisas se desenrolam sem que tenha controlo, sem que se aperceba…rapidamente lhe passa pela cabeça todos os quartos onde dormira, todas as almofadas onde repousara a mente irrequieta e incansável, todos os sofás e camas onde repousou a carcaça que resta de um corpo, relembra todos os amantes, os amigos, as amigas, a mãe, o pai… a sua vida até então…
A muito custo virou as costas ao passado e ao que a magoava, seguiu em frente, de cabeça erguida sem nunca olhar para traz. Tudo se encaminha e encarrila, e o comboio seguia todos os dias em frente na direcção que escolhera. O rumo agradava-lhe, a cidade, as luzes, a vida preenchida, o retorno ás origens que negou tanto tempo, os novos amigos, as novas amigas, nova rotina e a mente irrequieta e incansável sossegava por fim. Pensava no que ficara para traz e nada mais que uma doce memoria restava, uma doce recordação finalmente não passava disso, uma recordação… “tenho o mundo nas mãos, a vida pela frente, a força para vencer”
Do comboio que a transporta na nova vida que se orgulha de escolher, vislumbra a paisagem que sempre ali permanecera com uma visão diferente nessa manhã quente de fim de verão. Uma onda de calor atravessa o seu corpo, um sentimento de sujidade instala-se na sua mente relativamente ao seu corpo, um peso na consciência, uma nostalgia tremenda que só lhe apetece chorar como á muito tempo não chora. O comboio pára, os pensamentos desvanecem, ela sai rumo a sua casa, na sua pequena terrinha com um sorriso nos lábios e uma lágrima no canto do olho. “Preciso dormir” pensa, “o passado á muito que não me atormenta não será hoje que o deixo entrar de novo, e talvez se pensar assim em todos estes momentos de recaída serei feliz por fim”.
Ela acorda novamente. Relembra tudo de novo, os sentimentos permanecem, mas controla-os como nunca antes o fez. A água corre-lhe pelo corpo, levando consigo a sujidade da noite anterior, pensa nesse ritual que criou com a água, lava-lhe a alma mais do que o corpo. Como se lhe apagasse todo mal que sem saber tem feito a si própria.
A mente irrequieta e incasável não sossegara apenas adormecera como já tinha acontecido inúmeras vezes antes. O tempo passa, o seu plano de fuga vai aos poucos caindo por terra, o retorno, o confronto aproxima-se e no fundo ela sabe os erros que cometera, e o quanto os seus actos terão consequências, mas ainda assim a força permanece e de cabeça erguida segue como sempre…
Ela deita-se para dormir, e aquele clic não se dá… á muito que não acontecia… não dorme. Noites passam, os fantasmas da mente voltam. “Como vim aqui parar?” “como deixei que isto me acontecesse?” “porque fugiu eu?” “de que fugi eu?” “quando parei assim no tempo e deixei de controlar a minha vida?”
Relembra as respostas e lava-se em lágrimas… deixou muito tempo tudo adormecido e nada desapareceu. Aquele sentimento que a prendera tantos anos permanece e talvez esse seja o maior desgosto da vida dela. Não conseguir que esse sentimento morra.
E afinal o caminho que escolhera não foi ela que o escolheu, escolheram-no para ela… obrigaram-na a viver a vida que nunca quis, ou que negou muito tempo para adormecer o seu eu e desaparecer… e desapareceu, parte dela morreu…
Lutara em vão para recuperar o tempo perdido, para redimir os seus erros, e como castigo, ao fim de um ano, encontra-se no mesmo sitio de onde partiu…

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